quarta-feira, 8 de junho de 2011

Valeu a pena?

Quem diria, Greta Garbo acabou no Irajá. Quanto a Fernando Pessoa, um destino não menos funesto o acossa: esse que insiste em converter seu mais famoso verso - "tudo vale a pena se a alma não é pequena" - em pílula de sabedoria de manuais de auto-ajuda e agendas de adolescentes. Para piorar as coisas, uma versão adulterada da frase - "tudo vale a pena quando a alma não é pequena" - difunde-se rapidamente. Só o Google registra mais de 300 mil ocorrências desse Mar Português paraguaio.

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Não é à-toa que a popularidade da frase-pirata seja crescente. A substituição do se pelo quando é o tiro de misericórdia na tensão originalmente presente nas palavras de Pessoa.

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Depois de recordar ao leitor as muitas vidas que o mar ceifou, Pessoa pergunta-se se as navegações portuguesas teriam valido a pena. A resposta é o (pelo jeito, nem tão) conhecido verso: "tudo vale a pena se a alma não é pequena". Reparem: em momento algum, o poeta afirma categoricamente que, sim, a aventura marítima compensou. A rigor, visto que o se indica uma pura possibilidade, ele nem mesmo assegura que existam almas grandes. Em suma, o que Pessoa está a dizer é mais ou menos o seguinte: tudo vale a pena para almas grandes, se tal coisa existir, o que não é certo. Ora, algo muito diferente estaria em jogo se ele tivesse escrito quando. O termo introduziria o enunciado na ordem do tempo - do empírico, do factual -, no qual a certeza tranqüilizadora de que há almas grandes estaria salvaguardada.